Em uma economia, temos diversos agentes interagindo todos os dias otimizando suas escolhas. As famílias, maximizam sua utilidade dada uma série de restrições, definindo seus níveis de consumo, poupança e trabalho. O setor produtivo, maximiza seu lucro, definindo assim sua quantidade produzida. Enquanto isso, o governo, atua principalmente como definidor da política fiscal (impostos e transferências) e monetária.
As breves definições acima, cruas para os economistas leitores, delimitam um pouco sobre um modelo econômico, assim como o utilizado por bancos centrais mundo afora em suas decisões de taxa de juros (modelos DSGE [1], obviamente muito mais complexos do que o exposto por mim).
Toda esta introdução tem um motivo. Como a volatilidade de preços de um ativo poderia impactar toda esta economia?
Tomamos as famílias como exemplo. Se pensarmos em um modelo intertemporal, onde as decisões de consumo dependem de sua renda esperada ao longo do tempo, uma maior imprevisibilidade da renda (ou volatilidade do salário – pense no salário como o preço do trabalho), geraria assim um consumo menor, ferindo a equivalência ricardiana (por exemplo) [2].
Em suma, incluir uma incerteza ou volatilidade esperada, em qualquer sistema econômico ou função de utilidade (ou função lucro), naturalmente gera um output diferente das decisões de cada um dos agentes. De outra maneira, podemos pensar, que a volatilidade gera um risco para os indivíduos. Dada a racionalidade limitada, tomar decisões em cenários extremamente imprevisíveis se torna muito difícil.
Diversos preços são temas de discussão quando o assunto é volatilidade e seus efeitos. Taxa de câmbio, ações, juros, títulos de dívida, entre outros. Estudos empíricos apontam, por exemplo, para um efeito negativo entre volatilidade cambial e crescimento econômico, o que faz sentido, se pensarmos que países mais instáveis, possuem maior volatilidade cambial e como consequência crescem menos [3].
Neste contexto, a volatilidade de preços da energia elétrica não deveria ser esquecida e seus impactos deveriam ser mensurados.
Fontes de volatilidade nos preços de energia elétrica
O sistema brasileiro de preços (mercado livre) é regido por um modelo de otimização, o qual calcula (em linhas gerais) o trade-off entre térmicas e hidrelétricas, sendo assim dependente da condição climática, ou seja, chuva. Sendo a precipitação uma variável aleatória e de difícil previsão, é razoável supor que os preços sejam impactados em uma mesma magnitude ou mais, a depender do prêmio de risco.
Desde 2013, o Brasil passa por um regime de chuvas complicado, reduzindo significativamente os níveis dos reservatórios, principalmente no Sudeste (exceto por alguns breves períodos de boas chuvas). Esta situação vulnerável, vem adicionando significante parcela de volatilidade, deixando o modelo “estressado” e reativo às chuvas pontuais.
Outras diversas questões da modelagem são temas de discussão quase diariamente no assunto. Pequenas alterações no “deck de preços” (para um leigo, a “estrutura do sistema elétrico”), geram em diversos momentos grandes alterações nos preços, pegando de surpresa boa parte dos agentes.
Por fim, destaco o imponderável e imprevisível governo (até mesmo mais imprevisível que a chuva). Mudanças repentinas e análises muitas vezes questionáveis (como as previsões de demanda) adicionam a cereja do bolo para o festival de volatilidade.
Tudo isto gera momentos curiosos (e tensos), até mesmo para os operadores. Saltamos do piso ao teto em períodos de menos de 2 meses, indicando que o modelo não está garantindo a segurança energética e sim otimizando o custo dentro de um espaço muito curto de tempo (sem notar o risco futuro de maneira razoável). Lembro que, por mais que o modelo seja “do governo”, ele mesmo sofre com esta instabilidade, prejudicando significativamente o planejamento do setor.
Welfare no setor elétrico
Para os traders, na linguagem comum do mercado, “quanto mais vol melhor”. A frase faz sentido? Claro... Mais oportunidades de lucro (ou prejuízo) são geradas em mercados com maior volatilidade, exigindo um menor volume financeiro à risco para retornos absolutos maiores (não que todos sigam essa regra, é claro). Ainda deixo claro, que para os traders de energia elétrica, a queda do Ibovespa na pandemia foi mais um dia no setor elétrico.
Apesar do lado bom de oportunidade, lembro que o VIX (índice de volatilidade norte-americano) é chamado de “fear index”, deixando claro o que a volatilidade causa nos agentes financeiros. Ou seja, nem tudo é positivo nesta história.
Os consumidores, compartilham muito deste medo. Atraídos pela economia (prevista) do mercado livre, se deparam muitas vezes com preços que variam de R$50 à R$500 em menos de 2 meses, sendo o Bitcoin brasileiro. Como explicar para a controladoria que o seu budget mudará de uma hora para outra, com uma simples explicação de que “não choveu”? Complicado.
Além disso, recentemente uma nova cereja foi adicionada, os chamados encargos. Em linhas gerais, são “os reais custos do sistema”, arcados pelos consumidores. Estes, subiram expressivamente nos últimos meses, impulsionados em boa parte pela incapacidade do modelo de precificação encontrar o preço ideal para o sistema brasileiro. Como podemos falar de racionamento (por mais que alguns acreditem ou não em sua possibilidade) e o preço da energia despencar com uma “simples” chuva? No mínimo estranho.
O lado do gerador, apesar de mais inserido no dia-dia do setor elétrico, possui problemas de ordem semelhante ao do consumidor. Como explicar para um investidor estrangeiro que a receita esperada de sua usina (aquela sem contratos de longo prazo obviamente) pode mudar drasticamente de um momento para o outro?
No meio de tudo isso, o mercado financeiro poderia corrigir algumas imperfeições, oferecendo ferramentas de hedge, como as famosas opções. O problema, se utilizarmos os modelos mais usuais, como Black & Scholes, a volatilidade implícita faz parte da precificação de uma opção, e naturalmente, quanto maior a volatilidade prevista, maior é o prêmio pela opção. Neste cenário, mesmo próximas aos vencimentos (dada as mudanças repentinas na precificação) elas ainda assim valeriam muito (lembrando que opções “fora do dinheiro” expiram a zero).
Alguns podem dizer que “faz parte do jogo” esta instabilidade, o que eu posso até concordar. Mas do ponto de vista econômico, será que a alta volatilidade dos preços não gera externalidades [4] negativas a ponto de prejudicar o chamado social welfare. Na teoria econômica, falhas de mercado geram distorções, assim como monopólios causam aumento de preços e são regulados. Corrigir esta “falha” de precificação deveria ser, portanto, um dos pontos chave para inclusive promover o desenvolvimento do setor, garantindo uma maior previsibilidade para os agentes nele envolvido. Se consumidores cativos às vezes rejeitam o mercado livre por “medo”, será que investidores também não fazem o mesmo. Isto que não entrei no ponto de que até mesmo as comercializadoras sofrem com este cenário “caótico”, levando na história do setor alguns grandes prejuízos (socialismo das perdas e capitalismo do lucro).
Obviamente, como corrigir a precificação da energia no Brasil não é tema para um texto breve e com pouca profundidade técnica como esse. Trago aqui apenas uma breve reflexão do ponto de vista econômico, se o excesso de volatilidade que hoje temos não é mais prejudicial até mesmo do que pensamos.