Prevista em lei desde 2004, porém regulamentada em 2008 pelo Decreto 6.353 do Governo Federal e a Resolução Normativa ANEEL 337, a Energia de Reserva é uma modalidade de contratação para aumentar a segurança no fornecimento de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN), realizada através de leilões específicos.
Usinas contratadas se comprometem a manter uma capacidade de geração disponível para utilização em situações inesperadas ou emergenciais, sendo remuneradas mesmo que não haja geração. Sua capacidade ociosa é figura importante para o Operador Nacional do Sistema (ONS) ter flexibilidade no gerenciamento da oferta na rede.
Se no polo vendedor destas contratações estão as usinas vencedoras do leilão, do outro lado vemos a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Representando os agentes de consumo, o órgão é responsável pela gestão operacional e financeira dos contratos. A fim de quitar as obrigações financeiras negociadas no leilão, a CCEE utiliza um fundo de reserva chamado de Conta de Energia de Reserva (CONER). A conta recebe mensalmente valores de duas origens:
Encargo de Energia de Reserva
A CCEE calcula o EER através da diferença do montante financeiro de liquidação de geração mensal e a receita fixa definida no leilão para as usinas de reserva. Dessa forma, ela cobra o valor de todos os consumidores de energia elétrica do país proporcionalmente ao consumo. Para os consumidores regulados, é incorporado o custo do EER na formação da tarifa que é repassada pela distribuidora ao consumidor. Já os consumidores aderidos à CCEE e agentes do mercado livre pagam o EER diretamente à Câmara por depósito na conta de liquidação financeira do Bradesco.
E por que o EER cobrado do consumidor desde 2022 está tão alto se os reservatórios de hidrelétricas nacionais estão em nível recorde? A resposta está na constituição da CONER que exploramos há pouco. A relação matemática é inversa entre PLD e EER, já que são as suas duas únicas receitas. Se o preço do mercado de curto prazo não for suficiente para cobertura da receita fixa das usinas pactuada em leilão, o consumidor pagará a diferença através de EER.
PLD x ERR
Gráfico produzido pela Infinity Energias
De acordo com estimativas lançadas pela CCEE, a média de EER poderá ultrapassar R$ 1 bilhão por mês até maio de 2023. Em valores unitários, se traduz para a faixa de R$ 25/MWh que observamos desde o início do ano.
Se o PLD baixo leva a valores maiores de EER, então quer dizer que em períodos de preço no teto regulamentar (R$ 678,29/MWh), o consumidor não pagará encargos? A resposta é negativa, haja vista o ocorrido no biênio 2020-2021 por conta do Encargo de Serviços do Sistema (ESS).
O momento era de escassez de chuvas em todas as bacias hidrográficas, com reservatórios de hidrelétricas atingindo níveis preocupantes. Houve hipótese, inclusive, de apagão com eventual variação da carga de energia do país. Em novembro de 2020, a energia armazenada equivalente no reservatório do Sudeste atingiu 18% da sua capacidade, muito abaixo da média histórica para o mesmo período (em torno de 40%), e vale lembrar que os reservatórios do Sudeste detêm 70% da capacidade nacional. Iniciou-se um período úmido ao final daquele ano com chuvas abaixo do esperado, que gerou cautela na operação do sistema.
Energia Armazenada
Gráfico produzido pela Infinity Energias
Com todas as usinas térmicas do planejamento despachadas pelo ONS para permanência em operação desde 2020, e naquele nível de risco da operação, restou o acionamento também de usinas mais caras que ainda tivessem capacidade de geração adicional. A Geração Fora da Ordem de Mérito (GFOM), como é chamada essa fatia de geração de custo superior ao planejamento, faz com que o Custo Marginal da Operação (CMO), custo para se produzir o próximo MWh que o sistema necessita, chegasse a atingir R$ 3.044,45/MWh no 3º trimestre de 2021, enquanto o PLD tinha seu teto fixado em R$ 640,50/MWh.
Geração x EER
Gráfico produzido pela Infinity Energias
Essa diferença, comumente chamada de descolamento entre CMO e PLD, é cobrada pela CCEE por rateio de todos os consumidores, sendo um dos principais componentes dos Encargos de Serviços de Sistema (ESS). Naquele cenário caótico, com usinas muito caras operando fora da programação, a relação matemática era direta entre ESS e o CMO, na medida que o custo da matriz já havia ultrapassado o PLD teto e o encargo seria cobrado para dar cobertura ao descolamento. Com a queda do PLD em novembro de 2021 com boas chuvas que entraram no período de chuvas que se iniciava, o ESS continuou alto por mais um quadrimestre até que a GFOM fosse quitada e desativada, o que só ocorreu em abril de 2022.
Portanto, o dilema do consumidor sobre análise de preços e exposição de riscos do mercado se sustenta durante os picos e vales do PLD, levando em conta EER e ESS posicionados de forma completamente oposta no espectro do eixo de preços e respondendo por parte significativa do custo final da sua energia elétrica.