“Estamos vivendo uma guerra pacífica”. Algo contraditório, que desafia a lógica, pode ser definido como paradoxo. No Brasil podemos dizer, a energia é cara, mas é barata. São os mais diversos momentos que pudemos sentir os efeitos dessa frase. Momentos em que o PLD atingia valores próximos ou no piso, tínhamos também térmicas caríssimas sendo despachadas sob o chamado Gfom (Geração fora da ordem de mérito), um atestado de que o modelo matemático não funciona para garantir o funcionamento normal e seguro do sistema. Se é necessário um comitê para definir se o despacho calculado está sendo bem dimensionado, por que temos um modelo? Estou sendo um pouco radical, afinal ajustes são necessários em todos os modelos, sejam eles matemáticos ou estatísticos. Mas aqui, a famosa frase cabe muito bem: “para todo problema complexo, existe uma solução simples, elegante e totalmente errada”. Trabalhamos fora da ordem de mérito, por erros de planejamento, e o consumidor que pague a conta.
Piores índices de custo para 200kWh residenciais
Fonte: InvestNews
Relatório recente da ABRACE, mostrou que pagamos a segunda energia mais cara do mundo (ajustada pela renda per capita, tornando assim os países comparáveis). Mas como isso é possível se temos hoje uma matriz renovável, de baixo custo marginal e de evolução tecnológica e constante redução de custos?
Preço dos Módulos Fotovoltaicos
Preço médio global dos módulos solares fotovoltaicos, medido em Dólar Americano ($/Watt) em 2019
Fonte: Our World in Data
A parte do ponto de que os contratos hoje vigentes aos consumidores do mercado cativo foram firmados tempos atrás e devem ser cumpridos (algo que não é do feitio do brasileiro), outros fatores podem nos ajudar a explicar. Inúmeros subsídios e lambanças compõem a tarifa hoje paga pelo consumidor cativo (o que em sua maioria se tornam encargos aos consumidores livres). A privatização da Eletrobras, por exemplo, trouxe em seu texto a obrigatoriedade da contratação de PCHs, que não são baratas, e de térmicas a gás, onde não tem gás (haha). Deveria ser uma piada, mas não, é o Brasil. Destaco ainda que o 1º leilão teve concorrência baixíssima, com apenas o Amazonas contratando novas térmicas (único local com infraestrutura). No fim, o mercado não perdoa as estratégias equivocadas de nosso estado inchado e digno de aplausos.
“O modelo de contratação das térmicas foi montado de forma a estimular a interiorização do gás. Estabelece a obrigatoriedade de se contratar usinas em capitais ou regiões metropolitanas que não possuem ponto de suprimento de gás”.
É importante desenvolver o país? Claro, mas a conta tem que ser bem feita. Isto me lembra de nosso BNDES, que com a política de campeões nacionais, subsidiando empréstimos de JBS a Petrobras, nunca fez a conta se isso trouxe ou não um benefício para a sociedade brasileira. Temos novamente este caso.
Voltando ao ponto sobre o cumprimento dos contratos no Brasil, vemos mais uma confusão todos os dias. O Procedimento Competitivo Simplificado (PCS) contratado em 2021 em meio à crise hídrica, ainda traz dores de cabeça ao setor. Em primeiro lugar, os preços absurdos contratados, fruto de um planejamento terrível dos gestores dos recursos, de um mecanismo feito às pressas. Em segundo, as usinas, em sua maioria atrasadas, não tiveram seus contratos rescindidos, e resistem hoje em pagar quaisquer multas. E novamente, tudo isso vira custo, para o consumidor e não para os agentes responsáveis.
Por fim, os subsídios. No Brasil, não há nada mais permanente, do que um subsídio. Esta frase deveria ser gravada nos muros do Planalto e nada mais é que mais um paradoxo. Afinal, a indústria brasileira (sobre)vive a base de incentivos e protecionismo desde Pedro Álvares Cabral e todos os anos discutimos a expansão do Bolsa Família (programa de altíssima importância, mas se estamos expandindo, algo de errado não está certo). No setor elétrico, o rito segue. A conta CDE abarca boa parte desses subsídios, conforme abaixo. Por exemplo, subsídio para fontes incentivadas, que já não necessitam há um tempo, baterá recorde em 2023. Não tem jeito, a energia nunca será barata no Brasil. Seguiremos pagando o preço do circo de Brasília.
Despesas no Orçamento da CDE
Valores das despesas estimadas a serem cobertas por recursos da CDE
Fonte: ANEEL
“No Brasil, até o passado é incerto”. Esta frase se consolidou muito bem para as terras tupiniquins, tendo sido usada por Pedro Malan, Gustavo Loyola, entre tantos outros. De julgamentos retroativos de ICMS a soltura de presos já condenados (fica a dica) e agora as ideias mirabolantes de reestatização da maior empresa de geração de energia elétrica da América Latina.
Desafiando a própria democracia, que tanto pregam, muitas vezes até deturpando o sentido da palavra, o atual governo decidiu armar uma guerra contra a Eletrobras. Um processo feito seguindo todos os trâmites necessários, agora é contestado, sob alegações infundadas. Lembro ainda que a Eletrobras “pagou” pela descotização, a preços maiores do que o mercado (pagou caro), ou seja, gerando um prejuízo para nova empresa privada (o que é claramente esquecido pelo governo). Mas vamos observar um pouco melhor sobre o porquê seria bom isso voltar para o governo (contém ironia). É possível observar abaixo (dados de 2021) o abismo de diferença entre a Eletrobras e suas concorrentes quando olhamos tanto os índices de PMS (custos de Pessoal, Material e Serviço) e número de empregados ponderados. Ou seja, sim, vamos voltar a ser pública, que tudo dará certo. Alguns podem alegar que é difícil comparar, mesmo com as ponderações por capacidade instalada e extensão da rede, mas que tem algo estranho, não se pode negar.
Fonte: Empresas e BTG Pactual
No fim, todos esses paradoxos se originam em um lugar bem distante da realidade, chamado Brasília. E mudando governo, ou não, permanecemos pagando os erros do passado e criando os erros do futuro.
