Na última quinta-feira (15), tivemos a divulgação do balanço do quarto trimestre da Eletrobras com ainda muitas dúvidas sobre o futuro da empresa. Os números, conforme tabela abaixo, apresentaram um prejuízo maior e uma queda nas receitas vs o mesmo trimestre do último ano. Apesar disso, é importante apurarmos alguns detalhes, dos porquês dessa queda e os desafios enfrentados por ela em todos os âmbitos.
Boa parte da variação negativa se originou em aspectos não-recorrentes, como o Plano de Demissão Voluntária, de custo de R$1.2Bi e o provisionamento da dívida da Amazonas Energia, no valor de R$2.5Bi (imbróglio jurídico que envolve uma dívida de cerca de R$7,7Bi). Se adicionássemos ambos ao resultado da companhia, teríamos uma situação bem diferente, inclusive ultrapassando os números do ano anterior. Ou seja, podemos pensar que operacionalmente as coisas não estão tão assustadoras.
Do lado da comercialização, o desafio parece complicado. Por mais que a parcela descontratada inclua o hedge para o GSF (estimativa de 80,1%), o saldo de energia ainda não vendida é alto. Tal fato, em cenários “normais” de preços não seria um problema, mas hoje, as atuais condições do sistema apresentam condições para preços baixos por um bom tempo.
PLD (R$/Mwh) – Situação favorável conduziu à período duradouro de preços baixos
Fonte: Balanço Eletrobras e CCEE
Pelos 12 meses de 2022, tivemos preços sempre próximos ao piso da energia (ou no piso), em virtude de uma condição meteorológica favorável e iniciativas governamentais que levaram ao replecionamento dos reservatórios (lembro que a bandeira preta se manteve em nossas contas de luz até o abril de 2022). Aliado aos pontos anteriores, o “Pibinho” brasileiro também não ajuda, revisões periódicas apontam para um cenário bem modesto no que tange a carga de energia elétrica, impulsionando ainda mais o balanço energético superavitário. Tal situação, também é sentida pelos preços de longo prazo, que mostram quedas atrás de quedas, prejudicando a venda futura de empresas como a Eletrobras e outros geradores descontratados, que seguem buscando o melhor momento.
Revisões Quadrimestrais de Carga (MW)
Quedas seguidas nas revisões apresenta cenário complicado na economia
Fonte: EPE
Uma possível alternativa, assim como pontuado em nosso último artigo do blog com autoria de Lucas Tocchetto, é o comercializador varejista. Com uma margem de economia alta hoje em oposição ao mercado cativo (dado os baixos preços), ainda poucos players atuantes (em comparação ao atacado) e uma perspectiva de aumento do mercado, podem possibilitar melhores margens de venda. Apesar disso, tal especialização incorre em alto custo comercial e foco em volume de novos clientes. Mesmo com esta oportunidade, o cenário é desafiador principalmente no atacado, visto que o mercado de comercializadores vem encolhendo seu ritmo de crescimento e os consumidores livres hoje não teriam capacidade de absorver toda a energia descontratada da Eletrobras.
Para contextualizar, segundo a Abraacel, hoje temos 24GWm aproximadamente de consumo de energia no mercado livre, sendo que em 2026, a empresa ainda possui 11.2GWm à vender de energia. Será possível aumentar tanto o mercado livre? Sim, teremos novos entrantes, mas parece uma situação complicada.
Balanço Energético Eletrobras
Preços baixos, sobras elevadas e descotização comprometem o resultado da empresa
Fonte: Balanço Eletrobras
Por fim, existem outros dois desafios muito importantes com potencial de destravar enorme valor para a companhia e por isto, não se pode levar em conta apenas a comercialização. O primeiro deles, consiste na redução do custo operacional da empresa, muito mencionado na teleconferência de resultados. Por exemplo, de acordo com os balanços das empresas, a Eletrobras possuía proporcionalmente, antes do processo privatização, cerca de 2 a 3 vezes mais custos operacionais do que seus pares privados (Engie, Energisa, entre outros). Nesse sentido, boa parte da ineficiência operacional estava atrelada ao elevado número de funcionários. Inclusive, no início deste mês, o atual CEO Wilson Ferreira, pontuou que a empresa não contrata alguém novo desde 2009, tendo assim o seu funcionário mais novo com 37 anos de idade.
Para atacar tal problema, desde a conclusão do processo de privatização, a companhia vem promovendo programas de demissão voluntária. As campanhas visam reduzir o quadro de funcionários da empresa e buscam elevar a eficiência operacional no médio e longo prazo. Entretanto, esse processo envolve custos de curto prazo que impactam o resultado. Ou seja, foco está no longo prazo.
Já o último desafio vem da redução das provisões, em especial, as contingências atreladas aos empréstimos compulsórios. Alguns bancos de análise, esperam que a companhia negocie um deságio de 30% nos empréstimos compulsórios, que hoje totalizam próximo dos R$25 Bi. No resultado divulgado ontem, a empresa anunciou uma redução de R$ 1,3 bilhões em contingências relacionadas aos empréstimos compulsórios. Ainda é pouco para um montante tão expressivo, mas a expectativa é de que teremos continuidade relevante nesse processo ao longo de 2023.
Em conclusão, reestruturar uma empresa enraizada no sistema público não é tarefa fácil, ainda mais quando o governo insiste em argumentar contra sua privatização (por mais que seja algo sem sentido). Entretanto, os ventos parecem favoráveis quando analisamos a “arrumação da casa”: os processos vêm sendo revisados, tanto em governança, quanto eficiência, mas talvez não na velocidade que o investidor deseja (a ação cai 20% desde a privatização). Do lado da comercialização sim, esse parece o desafio mais complicado, mas sabemos, até mesmo por aprendizados recentes com efeito da pandemia de 2020 e da crise hídrica de 2021, o jogo vira quando menos esperamos.