Prever o futuro não é nada fácil e isso fica muito evidente quando tratamos de contas a pagar... Todo mês cai seu salário, no fim do ano cai o bônus, e a vontade sempre é de gastar tudo.
Entretanto, é necessário quitar dívidas existentes, os custos com as crianças tendem a aumentar com o passar dos anos, e possivelmente haja um gasto inesperado ao longo do ano. Então como usar seu dinheiro? O mesmo paralelo pode ser aplicado quanto ao uso da água no SIN (Sistema Interligado Nacional).
O ideal é sempre priorizar a geração renovável, logo, se chove, a exploração da geração hidrelétrica seria a opção saudável para o meio ambiente e para o custo do sistema, já que é mais barata que as fontes térmicas. Porém, e se não chover nos próximos anos, existem chances de escassez de geração hídrica? Não seria mais razoável armazenar parte dessa água para garantir a segurança do sistema? E se chover muito novamente e ocorrer o vertimento? Jogar água fora não é uma boa opção, assim como rasgar o dinheiro do bônus também não é.
Em meio a tantas perguntas e dificuldades de se operar o SIN, a solução encontrada foi a utilização de um modelo que através do cálculo do custo presente e do custo futuro dá a diretriz sobre o volume de água a ser utilizado na geração, e sobre aquele que deveria ser reservado.
Os modelos que calculam o planejamento da operação energética são o NEWAVE, DECOMP e DESSEM, sendo que o primeiro contempla um horizonte de operação de 5 anos, o segundo um horizonte mensal e o terceiro diário. O custo futuro calculado no modelo de horizonte mais extenso serve como dado de entrada para os modelos de horizonte mais curto porque mesmo para o cálculo da política de operação do dia seguinte, o uso da água no futuro deve ser considerado. O preço da energia elétrica é dado como resultado do custo da operação ideal do sistema.
Para uma matriz elétrica renovável e predominantemente hídrica, os modelos de otimização vigentes são uma boa opção, mas nem toda matriz é renovável e nem sempre a rede dos países é completamente interligada, como é o caso do Brasil.
O Nord Pool é o principal mercado de energia da Europa e alguns de seus participantes também apresentam matriz renovável. A Noruega, por exemplo, tem cerca de 91% de sua geração elétrica proveniente de hidroeletricidade e 7,5% eólica, já a Suécia possui quase 60% da sua geração baseada em hidrelétricas, eólicas e solares. Porém, nem todos os participantes têm esse perfil. França, Bélgica, Polônia e Alemanha não chegam a 30% da sua geração através de hidrelétricas, solares e eólicas. [1]
As regras de comercialização e formação de preço no Nord Pool consideram o preço horário, que é válido para todo o mercado nórdico, e é calculado pela empresa com um dia de antecedência baseando-se no equilíbrio entre oferta e demanda. São realizadas operações dentro do dia vigente e um dia a frente, permitindo aos participantes do mercado a possibilidade de especulação. Custos de transmissão, que variam conforme a área e a disponibilidade da rede também compõem o preço. Dessa forma, parte-se do princípio de que áreas onde a energia é mais cara (e mais escassa) vão buscar energia onde ela é mais barata (e mais abundante). [2]
Sendo assim, o mercado spot da Nord Pool funciona em três etapas: às 12h de cada dia os geradores e consumidores submetem ofertas para cada uma das horas do dia seguinte. O operador, por sua vez, coloca as ofertas dos geradores em ordem crescente, e as ofertas dos consumidores em ordem decrescente, chegando ao preço de equilíbrio no mercado que será definido como o preço spot. No máximo às 14h os preços para cada hora do dia seguinte são divulgados assim como o volume de energia a ser gerado por cada gerador. [3]
A Califórnia, diferentemente da Europa e igualmente ao Brasil, possui um operador centralizado do próprio sistema (California Independent System Operator – CAISO) e consegue atender a demanda do estado em cerca de 65% com renováveis. Assim como no Brasil, a Califórnia também passou por atrasos na expansão de sua oferta de geração que somados ao aumento da demanda e condições hidrológicas desfavoráveis em 2001, ocasionaram a elevação significativa dos preços. Com isso, o estado interveio e chegou até a declarar um teto temporário do preço negociado no mercado livre. O preço local também é dado por leilões, semelhante à Nord Pool, em que o preço determinado é o preço resultante do equilíbrio entre as curvas de oferta e demanda. [2]
A Argentina, apesar dos investimentos em renováveis, ainda possui uma matriz predominantemente térmica. Referente ao mercado de energia elétrica, da mesma forma que o Brasil, o país possui dois ambientes de contratação: regulado e livre. No mercado livre os geradores e consumidores negociam de forma bilateral seus contratos de fornecimento de energia estabelecendo o volume, preço e condições. O Estado pode intervir determinando prazos mínimos de duração do contrato, por exemplo. Já o mercado regulado tem base em um preço spot horário determinado pela Compañia Administradora del mercado Eléctrico – Cammesa com base no custo necessário para se injetar um MW adicional no sistema (semelhante ao CMO). Esse preço é calculado também por modelos computacionais gerenciados pela Cammesa e utilizados no longo, médio e curto prazo. No entanto, os modelos retornam o preço com base em uma disputa horária entre as unidades de geração habilitadas considerando sua localidade na interligação. [2]
Já a Colômbia, possui matriz predominantemente hídrica, embora as termelétricas ainda desempenhem papel significativo. Lá, o preço spot também é formado por interações diretas entre oferta e demanda, e a coordenação de mercado se dá através do operador XM, que coordena também o despacho diário de eletricidade entre os agentes. [4]
As duas modalidades mais comuns de formação do preço da energia elétrica são através de modelos matemáticos ou do equilíbrio entre oferta e demanda de energia. Não é possível afirmar qual modelagem é a melhor para a determinação do preço, pois sequer são comparáveis, dado que uma tem base na operação física das usinas, enquanto a outra parte de um princípio econômico. Cabe a cada entidade energética responsável de cada país analisar e estudar qual a metodologia mais adequada para a sua realidade. Mas uma coisa é fato, no caso do Brasil, o modelo de leilão é muito mais simples do que os modelos matemáticos utilizados.
A ideia de modelar a operação do Sistema Interligado Nacional pode ser definida como ousada. O Brasil é o quinto maior país do mundo, com sazonalidades diferentes ao longo de seu território, economia instável e uma variedade grande de fontes energéticas, além de 179.311 km de linhas de transmissão [5]. Quando se fala em uso da água e risco de déficit de um recurso tão valioso, sem dúvidas qualquer esforço que garanta seu uso adequado tem valor. No entanto, um modelo com tantas variáveis, muitas delas inclusive com grau significativo de imprecisão (como a carga e a MMGD - micro e minigeração distribuída) é adequado? Usar um modelo hidrológico dentro da formação de preço em um país que não tem postos pluviométricos distribuídos adequadamente para monitoramento da chuva, é adequado?
Não basta validar um modelo, é necessário também garantir que os dados de entrada terão qualidade para que haja bons resultados, assim como qualquer aprimoramento proposto no planejamento energético nunca deve ser somente metodológico, mas também deve se dar no âmbito da qualidade dos dados de entrada, caso contrário, um modelo mais simples poderá performar melhor que outro mais complexo diante de tanta imprecisão somada.