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Judicialização do PLD mínimo

3 de março de 2023
 por
Infinity Energias
Judicialização do PLD mínimo

As agências reguladoras surgiram na última metade da década de 90 com o objetivo de atuar em um ponto equidistante em relação aos interesses dos usuários, dos prestadores de serviços concedidos e do próprio Poder Executivo, de forma a evitar pressões conjunturais, principalmente quando as empresas estatais convivem com empresas privadas na prestação de serviço público, como acontece no setor de energia (1). Apesar da expectativa de que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) atue na análise de decisões importantes ao setor, esclarecendo e agilizando questões regulatórias, é comum ver a opinião pessoal de diretores se sobrepondo à discussão técnica, divergências internas que não levam à resolução adequada das questões do setor, ou até mesmo, e mais grave, a falta de posicionamento da agência.

Dentre vários assuntos pertinentes no setor, o referente aos limites do PLD apareceu algumas vezes para discussão. Os limites de PLD são estabelecidos pelo Decreto 5.163/04 em seus §§ 2º e 3º do Artigo 57, devendo ser regulamentado, no detalhe, pela ANEEL.:

Art. 57.  A contabilização e a liquidação no mercado de curto prazo serão realizadas com base no PLD.

(...)

      §2º O valor máximo do PLD, a ser estabelecido pela ANEEL, será calculado levando em conta os custos variáveis de operação dos empreendimentos termelétricos disponíveis para o despacho centralizado.
      § 3º O valor mínimo do PLD, a ser estabelecido pela ANEEL, será calculado levando em conta os custos de operação e manutenção das usinas hidrelétricas, bem como os relativos à compensação financeira pelo uso dos recursos hídricos e royalties.

A partir do decreto (norma primária), as regras específicas de PLD máximo e PLD mínimo devem ser estabelecidas por Resolução da Aneel.

Atualmente, elas estão descritas na REN 1.032/2022 da ANEEL, mas já foram alteradas uma vez através da audiência pública (54/2014) quando o interesse era outro. Em 2014, por conta de uma crise hídrica o preço da energia se manteve muito tempo no valor máximo estabelecido de R$822,83/MWh, e as distribuidoras que tiveram que comprar energia no mercado livre precisaram de ajuda financeira do governo. Na audiência pública foram apresentadas 2 propostas:

  1. Manter o critério sem revisar o conceito de térmica relevante e atualizar o limite atual pelo IGP-DI.
  2. Manter o critério atual, revisitando o conceito de térmica relevante.

Apesar da ABRACEEL e de outras associações na época se mostrarem contrárias à mudança metodológica, a ANEEL julgou que a alteração do conceito de térmica relevante era a escolha mais adequada para o momento. Um estudo realizado pela COMERC indicou que os encargos repassados ao consumidor variariam entre R$ 200 milhões e R$ 1bilhão para valores de PLD máximo variando entre R$ 400,00 e R$ 700,00 reais. (2)

Agora que os reservatórios estão cheios e que o Custo Marginal de Operação do sistema está em R$ 0 desde novembro (3), foi levantada a hipótese de que a metodologia para a determinação do PLD mínimo não estaria consistente, já que o valor sofreu variação de 24% para cima entre 2022 e 2023 (4), saindo de R$ 55,70 para R$ 69,04. Dada a condição estrutural do sistema, que apresenta os quatro subsistemas com níveis satisfatórios de reservatório para garantir a segurança energética do país (o sudeste apresenta o nível mais elevado dos últimos 10 anos), a variação observada não parece fazer sentido com a operação do sistema, em que há predominância da geração através de fontes renováveis.

Minudenciando os limites do PLD, a Resolução Normativa da ANEEL nº. 1.032/2022 determina que:

Art. 24. O valor mínimo do PLD será calculado anualmente pela ANEEL considerando o maior valor entre:

I – A Tarifa de Energia de Otimização da UHE Itaipu (TEOItaipu); e

II – A Tarifa de Energia de Otimização (TEO) das outras usinas hidrelétricas do Sistema Interligado Nacional.

Art. 25. No cálculo do valor da TEO Itaipu, deverão ser consideradas as parcelas referentes ao pagamento da cessão da energia do Paraguai, aos royalties, e à administração da usina pela Eletrobras.

Como Itaipu foi a usina hidrelétrica com maior valor de tarifa, foi também o critério determinante para o valor do PLD mínimo. Sua tarifa é calculada com base no Anexo C do Tratado de Itaipu, e declarada à ANEEL pela ENBPar, empresa controladora da usina após a privatização da Eletrobrás. Quando questionada pelos agentes sobre a coerência do cálculo, a ANEEL elaborou o Memorando nº 234/2022-SGT/ANEEL replicando o passo a passo da conta determinada nos cálculos do referido Anexo e reiterou que sempre foi o mesmo para a determinação do limite mínimo de anos anteriores. A conta utiliza dois índices inflacionários americanos no Fator de Reajuste do Dólar, o “Industrial Goods” e o “Consumer Prices”, que conforme Nota Reversal nº 3 de 28/01/1986 e apresentado no mesmo Memorando da ANEEL, é compilado de agosto de um ano até julho do outro. Como é possível observar no gráfico abaixo, os índices de fato subiram ao longo desse período entre 2021 e 2022, porém o “Industrial Commodities”, ou “Industrial Goods” aponta queda no segundo semestre do ano, e a depender do seu comportamento no primeiro semestre de 2023, pode afetar o PLD mínimo de 2024.

Figura 1 - Consumer Prices e Industrial Goods (5)

Em primeiro lugar, não existe explicação econômica que justifique a utilização de dois índices inflacionários com abordagens diferentes (um para o consumidor e outra para o produtor) para o cálculo do Fator de Ajuste. Vale ainda destacar que o questionamento do setor quanto ao uso desses índices só se deu por conta da pandemia que os elevou a variações expressivas. Caso isso não tivesse acontecido, o cálculo seguiria o mesmo sem que houvesse indagação.

Outro ponto de atenção destacado dentro do que consta no Regulamento do Anexo C do Tratado de Itaipu, é que o fator de ajuste composto pelos dois índices inflacionários acima citados deve ser multiplicado pelo resultado do ano anterior da inflação americana. Em debates dentro do setor, existe quem concorde com a lógica do cálculo, e quem se oponha dizendo que a inflação é considerada duas vezes. Entretanto, apesar da ambiguidade do que está escrito no tratado, na reunião extraordinária que ocorreu em 29/12/2022, foi decidido pela diretoria da ANEEL que o valor do PLD mínimo seria mantido em R$ 69,04 e que deveria haver o encaminhamento das manifestações apresentadas pelos agentes ao Ministério das Relações Exteriores – MRE para a devida avaliação quanto à existência de divergência que suscite eventual alteração ou modificação no regulamento questionado no Tratado, assim como interação da Agência com os membros brasileiros do Conselho de Administração de Itaipu para tratar de eventuais sugestões de melhora na redação e aplicação das regras do Tratado.

Descontentes com o desfecho dado ao assunto, alguns agentes do mercado propuseram ação judicial alegando a incongruência do PLD estipulado pela a REN nº. 1.032/2022 da Aneel e o Decreto 5.163/04 (norma primária e hierarquicamente superior), defendendo que a Aneel não apenas regulou o assunto, mas legislou, estipulando valor divergente.  A alegação é de que conforme o Art. 57, §2º do Decreto 5.163/04 o PLD mínimo deve ser definido levando em conta:

  • Custos de operação e manutenção das usinas hidrelétricas;
  • Custos relativos à compensação financeira pelo uso dos recursos hídricos e
  • Custos relativos aos royalties.

Segundo os requerentes, o preço do PLD mínimo deveria ser obtido pelos custos médios ou ponderados de operação e manutenção (O&M) das hidrelétricas, excluída a TEO Itaipú. Em um primeiro momento não estava claro se, no entendimento dos requerentes, parte da TEO Itaipu deveria compor o cálculo, ou se apenas os valores relativos às demais hidrelétricas também entrariam, o que, até então, também não foi estipulado judicialmente.

Sobre os processos judiciais em si, é relevante mencionar que os pedidos foram realizados, inicialmente, como “tutela cautelar antecedente”, um tipo de pedido judicial que tem como objetivo assegurar o resultado útil do processo, antecipando parcial ou totalmente, o próprio pedido principal ou seus efeitos à sentença final, ou seja, a intenção era que o cálculo fosse de pronto alterado, produzindo efeitos desde logo. Como o pedido foi realizado por cada agente isoladamente, o efeito se daria apenas em relação requerente; acontece que, como o pedido trata da troca da fórmula do PLD, inevitavelmente, uma decisão favorável impactaria todos os agentes, não necessariamente beneficiando a todos.

Após uma negativa em primeira instância, o recurso teve o pleito atendido em fase recursal. Além da ausência de posicionamento da Aneel, a omissão do juízo no processo também salta aos olhos, já que, apesar de conceder a tutela pretendida, a decisão também não determina como deve se dar o cálculo, se excluindo parte ou integralmente, a TEOItaipú.

Figura produzida pela Infinity Energias

Cabe mencionar que toda atuação administrativa na edição da resolução em caso foi realizada seguindo os parâmetros de legalidade, já estando vigente, inclusive, desde 2019.

Em análise ao alegado, de fato, há plausibilidade jurídica na argumentação, uma vez que a resolução não apenas minudencia o que foi estabelecido pelo Decreto, como utiliza os parâmetros estabelecidos e parte da composição dos limites, uma vez que os custos de O&M estão embutidos tanto na TEO Itaipú quanto na Teo das demais hidrelétricas.

 Tamanha é a instabilidade da atuação das agências reguladoras, que até sua autonomia tem sido pauta de discussão. Em paralelo com a falta de posicionamento da ANEEL, tramita a Medida provisória 1.154/23 que propõe uma reorganização da estrutura do governo federal em que a regulação de contratos de concessão passaria a ser exercida por conselhos ligados ao governo, e não exclusivamente pela Agência Reguladora. O ano de 2023 sem dúvidas não está sendo fácil para a devida regulamentação do setor de energia elétrica.

As comercializadoras, muito provavelmente, não defendem somente a transparência e coerência do cálculo do PLD mínimo com o objetivo exclusivo de aprimorar os procedimentos; tal alteração seria, em tese, favorável às suas operações, pois há indícios de que a maior parte do mercado esteja operando na posição de venda de energia, esperando recomprá-la em um preço mais baixo. Vale destacar que, aos negócios de outros agentes do mercado, como grandes geradores, mudanças repentinas no cálculo e no valor PLD mínimo trariam impactos relevantes: segundo o relatório do banco suíço UBS (5), empresas que precisam vender de energia no mercado de curto prazo podem ser afetadas, principalmente Engie e Eletrobrás. O relatório ainda destaca o risco para novos projetos de geração que estão entrando em operação e vão vender parte de sua energia no mercado de curto prazo, e aponta que a queda brusca do PLD, por conta de eventual mudança metodológica, pode levar ao aumento das tarifas nos reajustes daqui 12 meses, afetando, também, as distribuidoras sobrecontratadas. Trazendo a teoria à prática, segundo o balanço da Eletrobrás do 3º trimestre de 2022, somente no ano de 2023 ainda existia saldo disponível de energia no montante de 3.103 MWmed; descontando 5% desse volume, considerando a defasagem de tempo entre a data do balanço e hoje, e supondo que o PLD mínimo fosse definido em R$15, a mudança metodológica levaria à perda de cerca de R$ 1,3 bilhões de reais. Pelo balanço da Engie, em 31/12/2022 a empresa já não tinha saldo disponível para 2023, mas para o exercício de 2024 contava com 283 MWmed; fazendo a mesma suposição de 5% por conta da data do balanço, e mantendo a diferença nos preços, a perda para a empresa seria de um pouco mais que R$ 127 milhões no ano.

O Custo Marginal de Operação (CMO) que leva ao cálculo do Preço da Liquidação das Diferenças (PLD) corresponde ao custo para produzir o próximo MWh que o sistema necessita (6). Seguindo a mesma lógica, a regra estabelecida pela ANEEL para o uso da Tarifa de Itaipu ou da tarifa das demais usinas vai em linha com esse conceito, pois pressupõe que o preço contemplado pelo custo do gerador mais caro cubra os custos das demais usinas mais baratas do sistema. Pedir a retirada da TEO de Itaipu do cálculo, vai em partes contra o próprio conceito de PLD, pois a retirada da usina hidrelétrica mais cara da composição do PLD mínimo não garante a cobertura do custo de toda a geração hídrica despachada. O aprimoramento nos cálculos assim como sua discussão é saudável para o setor, mas a tentativa de mudar as regras por parte de um grupo exclusivo de agentes sem o posicionamento do coletivo, sem testes e posições técnicas, é tão errada quanto à decisão da ANEEL em não discutir o assunto por envolver outro país.

Em todo setor existem impasses que requerem a atuação da agência reguladora para que haja agilidade, simetria de informações e esclarecimentos e, apesar da discussão quanto aos limites do PLD se repetir, a via judicial segue sendo utilizada pelos agentes para a solução de problemas e/ou atendimento de interesses individuais. A falta de posicionamento da agência pode contribuir para que o interesse particular seja priorizado em detrimento ao interesse coletivo. Caso haja um posicionamento formal por parte da agência reguladora (o que é esperado), que este seja racional e técnico, levando em conta todos os interessados do setor (o que por definição é sua função social), e não uma manifestação arbitrária com interesses particulares.

A discussão ainda vai se desdobrar bastante, os processos judiciais em curso mais ainda. No atual cenário, é claro perceber a estratégia processual da Aneel em ganhar tempo, questionando:

  • valor do PLD mínimo que deve ser aplicado
  • se a exclusão dos custos relativos à Itaipu é integral ou parcial
  • os terceiros afetados
  • as consequências da decisão para o mercado

Assim, a Agência ganha mais tempo para interposição de agravo interno, que seria o próximo passo, para que o colegiado revogue a concessão dada monocraticamente em segunda instância, cabendo, ainda, recurso em 3º grau. Isso tudo, da decisão de tutela antecipada, sendo que ainda não houve movimentação em relação ao mérito que embasará a sentença, da qual, provavelmente, haverá recurso em todas as instâncias possíveis. Apesar de todas as possibilidades e caminhos processuais, tendo em vista as pressões, é possível que haja alguma interferência regulatória que atenda razoavelmente aos interesses da maioria e os processos percam o objeto, até que isso aconteça veremos a corrida de cada agente em busca da preservação dos seus interesses individualmente.

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