Nas últimas semanas, saíram muitas notícias envolvendo a Petrobras e suas tentativas de aquisição de licenças ambientais para perfuração de poços na Foz do Amazonas. Os montantes de volumes são promissores e poderão (poderiam?) trazer desenvolvimento e investimentos para uma região extremante carente, seja de recursos ou mesmo de infraestrutura.
Questionamentos importantes estão sendo analisados sobre o tema. Pensando nisso, buscaremos informar e explorar algumas das múltiplas nuances do caso da Foz do Amazonas.
Cenário atual
As recentes tentativas de exploração na Foz vêm tomando grandes proporções e envolvendo entes/figuras públicas de relevância nacional: governadores do Pará e Amapá, os quais defendem uma exploração sustentável e acreditam que o recurso mineral irá trazer desenvolvimento aos estados; o Congresso Nacional, seja pela Câmara dos Deputados como o Senado, que através de suas Comissões de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Regional e Turismo, respectivamente, buscam fomentar o debate e coletar diferentes perspectivas a serem levadas em conta pelo poder público; o Ministério do Meio Ambiente (MMA), especialmente através do Ibama, que foi o responsável por negar a licença prévia de perfuração [1], alegando “inconsistências”.
O passado exploratório da Bacia
Para se entender o presente, se faz necessário revisitar o passado. As primeiras investidas exploratórias na Bacia da Foz do Amazonas ocorreram em 1963, através de dados geofísicos que restringiram a águas rasas. Já entre meados dos anos 70 e 80, houve um grande avanço exploratório em maiores lâminas d'água. A campanha evidenciou jazidas de gás natural: uma com ordem de 10,1bi m³ de Gas-in-Place (GIP) e outra entre 6,89 a 11,42bi m³ [2]. Para que haja ordem de grandeza de volumes, a ENEVA em seu campo de Juruá tem um GIP estimado de 42,7 bilhões de m³ e no parque dos gaviões, GIPs variando de 0,5~11 bilhões de m³ por campo. [3]
De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), na Bacia da Foz do Amazonas, há um total de 95 poços perfurados, sendo 81 no Amapá e 14 no Pará [4]. Com a quebra do monopólio da Petrobras e criação da ANP, houve início das rodadas de licitação de blocos exploratórios. Foram ofertados blocos da Foz na 1ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 11ª rodadas, sendo a última, a mais importante para o impasse enfrentado agora.
Na 11ª rodada de licitações da ANP (maio de 2013) ocorreu o leilão dos blocos mais falados na grande mídia - FZA-M-57, 59 e outros. As ofertas vencedoras dos dois em questão veio do consórcio formado por TotalEnergies, Petrobras e British Petroleum (BP). Em síntese de dados consolidados do leilão [5], observamos que blocos da área de águas profundas da Bacia da Foz do Amazonas (SFZA-AP1) tiveram um bônus ofertado total de R$ 750 milhões em 8 diferentes blocos (dos 9 ofertados), além de 17 empresas participando do pleito desta área, com apenas 7 ganhadoras (operadoras + consorciadas). O ágio em relação ao bônus esperado foi de admiráveis 1.034%, além de ter sido a área com maior concorrência de todo o leilão.
Esse interesse em demasia, gerando tamanha concorrência, não foi à toa. Todas essas empresas tinham acesso aos dados sísmicos, de poço e geoquímicos de toda as dezenas de poços perfurados desde 1970. Não somente isso... descobertas de petróleo em águas profundas na Guiana Francesa, em 2011, por parte da Shell, TotalEnergies e Tullow Oil e em 2015, na Guiana, pelo consórcio formado por Exxon, Guyana Exploration e China National Offshore Oil. Por fim, o consórcio Apache, Petronas e CEPSA encontraram óleo na região do Suriname, em 2020.
Como de costume, na indústria de óleo e gás, áreas adjacentes possuem estruturas geológicas semelhantes. Logo, há grandes chances de se encontrar hidrocarbonetos na porção brasileira desse play exploratório.
Tendo isto em mente, as partes do consórcio tentaram múltiplas vezes a obtenção da licença para a exploração da área. A primeira foi a BP, que em abril de 2014 entrou com um pedido, o qual foi negado. Após isso, a TotalEnergies tentou múltiplas vezes. Em agosto de 2017 e dezembro de 2018, sucederam sem sucesso. Já no início de 2020, manifestou interesse em tentar novo licenciamento, mas em menos de uma semana recuou e anunciou acordo para transferência a Petrobras em sua participação nos blocos.
Fatos históricos relevantes da Bacia da Foz do Amazonas
Em 2021, 8 anos após o certame da 11ª Rodada, a Petrobras comprou a fatia da BP no consórcio [6]. Dessa forma, agora é única petroleira que detém os direitos sob os blocos em águas profundas na bacia da Foz do Amazonas.
O fato de a Petrobras ser a única exploradora, não envolvendo diretamente empresas de outros países, seria um fator facilitador para obtenção de licenças ambientais? O MMA já mostrou seu posicionamento e deixou claro que independente da empresa ou país de origem, não é não e os parâmetros técnicos prevalecem sobre quaisquer outras questões.
O papel do Ibama e a alternativa proposta
Conforme Art. 3, inciso VI do Decreto nº 8.437/2015, é competência União e cumprido através do Ibama:
Do momento de intenção de exploração até a efetiva produção do óleo/gás, os órgãos ambientais competentes são incumbidos de emitirem múltiplas licenças, sendo as principais para o processo da Foz:
No momento, o impasse encontrado está na Licença Prévia de Perfuração (LPper) ou de operação (LO), a depender do documento de referência utilizado, se CONOMA ou Portaria MMA. Desse modo, há inconsistência através de qual documento seguir. A atividade de perfuração de um poço pioneiro tem enquadramento em ambas, e tipos de licença diferentes, entretanto a Petrobras está seguindo o documento mais recente, que é a Portaria MMA.
Outro ponto interessante é que os documentos exigidos para emissão da licença estão sendo além dos requisitados normalmente, o qual o Ibama tem respaldo para requisitá-los. Como por exemplo, o caso do Plano de Emergência Individual (PEI). Para tal, é previsto a Avaliação Pré-Operacional (APO), ambos não mencionadas como obrigatórios via Portaria MMA. O Ibama tem respaldo em requisitá-los via alterações nos Termos de Referência (TR), Art. 8 Inciso XII § 4º. No caso do PEI da Petrobras, um dos pontos levantados pelo Ibama para negativa foi que em eventual derramamento o óleo poderia atingir países vizinhos [7].
Após o Ibama indeferir a licença para perfuração face aos documentos apresentados pela Petrobras, uma das hipóteses levantadas a fim de trazer mais segurança quanto a potenciais impactos da atividade a região da Foz do Amazonas e estado vizinhos seria a realização de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). A Portaria MME/MMA nº198/2012 introduziu a AAAS, que representa um processo de avaliação baseado em um estudo multidisciplinar (Estudo Ambiental de Área Sedimentar, EAAS) com abrangência regional, o qual se é utilizado para o planejamento estratégico de políticas públicas.
Até o momento, foram realizados dois EAAS, um para a Bacia de Solimões e outra para a Bacia de Sergipe-Alagoas e Jacuípe. As licitações foram realizadas para contratação de empresas capazes de realizar estes estudos, certames que aconteceram em 2016/2017, todavia, os relatórios finais só foram concluídos em 2020/2021. Embora sejam estudos extremamente detalhados e profundos, levando em conta a iteração da atividade petrolífera com fauna, flora e população local, eles tomaram uma média de 4 anos para serem realizados.
Observando os intervalos de tempo que o Ibama possui para dar as respostas das licenças, o tempo médio dos processos prévios de EAAS, a elaboração das licenças ambientais por parte da operadora e o já demorado processo entre a transformação de bloco exploratório em campo produtor (4 a 5 anos), tendo tudo isso em mente, até que ponto valeria a pena iniciar todo esses processos do zero e não apenas trabalhar para melhorar os já apresentados pelas operadoras/consórcios? Algo a se pensar!
A grama do vizinho é sempre mais verde?
Os vizinhos, Guiana Francesa, Suriname e Guiana, passaram por descobertas consideráveis na última década. Os números são promissores e as características geológicas apontam para possível sucesso exploratório, se comparado à bacia da Foz do Amazonas. Dessa forma, a movimentação das múltiplas figuras envolvidas é justificável.
Adentrando a temática dos vizinhos, nesses países, observa-se um "espelho geológico" na plataforma continental africana. Tal fenômeno é similar ao pré-sal, como é exemplificado como "pré-sal angolano".
A empresa Tullow Oil buscou fazer o caminho oposto. Uma vez que teve sucesso na costa oeste africana, no campo de Jubilee, a empresa procurou a região “espelhada” na porção norte do continente sul-americano, obtendo sucesso na Guiana Francesa, em 2011. Todavia, as outras quatro tentativas subsequentes foram falhas.
Contudo, a realidade para os outros dois vizinhos foram diferentes. No Suriname, a primeira descoberta ocorreu em 2020, com o consórcio Apache e TotalEnergies, no bloco 58: descobriu-se uma extensão do play exploratório da Guiana, estimando uma reserva de 6,5 milhões de barris de óleo após 5 descobertas comerciais do consórcio [8]. Entretanto, a Final Investment Decision (FID) ainda é uma incerteza, pois, por mais que haja boas chances de haver óleo, o investimento para colocar apenas este bloco em em produção está na casa de US$ 6 a 10 bilhões. Logo, gera-se um investimento (e risco) muito alto mesmo para majors, como a TotalEnergies.
Enfim, o mais bem sucedido de todos os casos foi na Guiana. A exploração por parte da Exxon iniciou em 2008, porém, o primeiro poço exploratório perfurado apenas em 2015 (Poço Liza-1), no bloco de Stabroek. A profundidade de 5.433m em uma lâmina d'água de 1.746m [9]. Após Liza, a Exxon fez mais de 30 outras novas descobertas no mesmo bloco e desde 2015, 11% das novas descobertas de óleo à nível global vem da Guiana.
Para que se tenha uma ideia do tamanho da descoberta, a Exxon põe como recursos em 11 bilhões de barris - recursos estes que estão em subsuperfície e com quantidade imprecisa [10]. Tomando com referência, as reservas provadas do pré-sal brasileiro - em subsuperfície e com possibilidade de retirada economicamente viável - em 2021, somarão 9,62 bilhões de barris [11].
E esse sucesso não para por aí, o break-even é bem baixo. Há variação de US$25~US$35 por barril, a depender do campo em questão (no pré-sal o break-even já atingiu US$20) [12]. Outro valor importante é quanto ao volume de óleo produzido pelo país: o 1º óleo exportado pela Guiana em 2019 e 2020, já conta com 265,936mil barris/dia produzidos, com expectativa de 1 milhão barris/dia para exportação até 2030.
Mapa das empresas e blocos exploratórios para Guiana, Suriname e Guiana Francesa
Em meio ao cenário de fartura e potencial, a Petrobras tenta avançar na liberação de licenças de perfuração e avaliação dos volumes em subsuperfície. Cabe lembrar, que ter potencial é totalmente diferente de ter óleo de maneira economicamente viável. Como foi o caso da TotalEnergies em Suriname, pois mesmo havendo grandes chances de ter o recurso, os montantes para desenvolvimento são altos.
O primeiro poço perfurado seria apenas o início do processo, o qual o Ibama sequer cogitou autorizar a Petrobras a avançar...
O que o Brasil está deixando de ganhar com o avanço da exploração?
A preocupação por parte do Ibama é compreensível. Além de recifes de corais na Foz do Amazonas, existe uma fauna, flora e população que depende do ecossistema dessa região [13]. Um grande derramamento de óleo poderia afetar toda essa estrutura e seus impactos seriam sentidos por décadas. A questão é: quais os riscos que estamos dispostos a correr para o desenvolvimento local e nacional?
Caso os investimentos da Petrobras retornem tão bem-sucedidas quanto os da Exxon na Guiana, os municípios e estados (especialmente os afetados) teria grandes quantidades de verbas disponíveis decorrente de Royalties e centenas de empregos diretos e indiretos associados a indústrias fornecedoras que poderiam se instalar na costa, porventura até exportar insumos e tecnologias aos países vizinhos que também o exploram esse óleo.
Além dos benefícios supracitados, poderia haver uma nova oferta energética norte brasileiro. A situação atual é de uma baixa demanda de energia nesta região, contratempos no suprimento de energia e linhas de distribuição bom baixa capilaridade. Um dos motivos associados a estes fatos são a baixa e pulverizada demanda, não justificando grandes investimentos em infraestrutura.
Com o desenvolvimento da jazida da Foz do Amazonas, o gás natural produzido (associado ao óleo) poderia alterar este cenário. Considerando que esse bem energético é de complexa armazenagem e transporte, seria necessário uma alternativa para sua utilização.
Algumas das alternativas seriam a de gerar energia elétrica, similar ao modelo gas-to-energy usado pela Exxon na Guiana e levar energia mais barata a costa. Outra solução, seria uma possível exportação via GNL através de terminais de liquefação flutuantes como foi realizado em Moçambique. Ou então, enviar a molécula para costa através de gasodutos. Entretanto, são apenas sugestões baseadas em casos ao redor do mundo, sendo necessários estudos aprofundados além de investimentos consideráveis.
Dado este cenário apresentado, acreditamos que o governo seja estadual, através de órgãos ambientais de áreas afetas, e governadores; federal, através de ministérios, congresso nacional ou autarquias; empresas envolvidas; e a academia, devam continuar promovendo este importante debate, dado que irá afetar direta ou indiretamente todas as partes, considerando a dimensão da questão. Que possamos todos avançar para o “sim” ou “não” definitivo através de um processo coeso, célere e aberto.