“Planejar é definir o necessário. E realizá-lo sem que o imediato o sufoque.”
- Gandin, Danilo.
Tupiniquim way of management
O brasileiro, como alguns sabem, poupa pouco. Seus níveis de poupança são baixos, ao compararmos com outros países do mundo. As razões para tal, são muitas[1]. Entre elas podemos considerar o aspecto inflacionário, tendo uma população ativa que passou por graves casos de hiperinflação. Em análise simples, se não sei o preço de amanhã, consumo hoje. Programas de seguridade social, também são fontes deste impacto, nos quais o brasileiro coloca “fé” no futuro da previdência, ou seja, também consome hoje, aguardando uma ajuda no amanhã (isto também tem relação com o baixo nível de renda)[2]. O governo, também tem papel importante nisso tudo. Com políticas voltadas à uma economia com base em consumo para crescimento, orientou seus eleitores ao dispêndio e tomada de crédito, sendo os juros baixos, um forte comprador de votos. O pensamento de curto prazo, portanto, não é novidade. Lembro ainda que, o baixo nível de poupança tem relação direta com o baixo nível de renda per capita futuro (no longo prazo)[3], um claro trade-off do curto prazo vs longo prazo.
Trecho “Aposentadoria de Cigarra” – Jornal Valor Econômico
Poupança Doméstica (% PIB)
Fonte: Banco Mundial
Os políticos e governo são mestres em decisões de curto prazo e pouco planejamento de longo prazo. Tomamos como exemplo, a reforma da previdência. Não teria sido melhor aprová-la em momentos de bonança econômica? Com certeza, mas isso não traz votos. Infelizmente o país aguardou chegar em um momento no qual não existe mais receita capaz de pagar os custos para aprová-la (apesar de que alguns ainda argumentem que os custos > receitas não é um problema!?). Natural que em momentos críticos, os cálculos são feitos às pressas e nem sempre a melhor decisão é tomada.
Também é difícil culparmos o brasileiro (ou até mesmo o ser humano) por pensar no curto prazo (ou em si mesmo), sem nenhum direcionamento que o faça pensar o contrário (o famoso nudge). Ayn Rand, filósofa “defensora do egoísmo”[4], argumenta que além da conotação utilizada para a palavra ser errada (de ser algo ruim), que na verdade o egoísmo seria valorizar-se a si mesmo, sem prejudicar os outros. Recentemente, ainda li que “engravidar seria um ato de egoísmo”, porque já temos pessoas demais no mundo (polêmico no mínimo, mas ilustra bem onde eu quero chegar). Digo isto, porque o próprio ato de planejar algo para o futuro, ainda mais se tratando em algo que ficará para outros é complicado, pela própria essência do ser humano.
Abaixo um ranking da filantropia, um ato dito altruísta (há discordância nisso, mas não entremos neste assunto).
World Giving Index (2019) [5] – Ranking sobre atividades filantrópicas por país
Fonte: Idis - World Giving Indez (2019)
Hoje, o setor elétrico (e o Brasil) passa por esse tipo de problema de decisões tomadas às pressas e de pensamento de curto prazo. Muitos culpados estão no passado (e é sempre difícil apontá-los), pois não planejaram direito ou não sacrificaram algo pelo futuro. E como diz Ayn Rand, “sentir pena dos culpados é trair os inocentes”.
A crise hídrica e o setor elétrico
A matriz brasileira de energia elétrica vem se desenvolvendo e deixando sua dependência hidrelétrica para trás. Saímos de um nível de aproximadamente 90% de geração hidrelétrica em 2001 para 65% este ano.. Apesar desta “melhora”, a situação está longe de ser confortável como este ano nos mostra.
Em 2020, as chuvas de Janeiro e Fevereiro foram capazes de trazer os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste para níveis razoáveis como mostra o gráfico abaixo (longe de serem ótimos é claro) e mesmo assim chegamos neste momento crítico hoje. Claro, um dos fatores sem sombra de dúvidas foi o azar de termos o pior período úmido em 81 anos. Mas será que podemos culpar de maneira única e exclusivamente o clima (como vi diversas pessoas argumentando), sendo que ela é uma variável conhecidamente aleatória, modelada de maneira estocástica e longe de seguir uma distribuição normal, ou seja, tem um risco até maior do que imaginamos? A resposta seria "não".
Energia Armazenada (%) – Submercado Sudeste/Centro-Oeste
(em destaque os meses de Maio)
Fonte: ONS
Hoje, me parece que deveríamos inclusive agradecer presidenta Dilma pela crise de 2014[6] (ou deveríamos agradecer à crise externa, que ninguém sabe se realmente existia, mas ela dizia que sim), que nos levou à uma queda brutal da demanda de energia, fazendo 2015 chegar aos mesmos níveis de 2010. Se isso não tivesse ocorrido, grandes chances dessa crise hídrica/energética ter aparecido significativamente antes. Outro ponto importante, é enaltecer o fraco crescimento brasileiro. Se realmente fossemos o país do futuro, talvez seríamos o país do apagão presente.
"Estamos na segunda etapa do combate à mais grade crise internacional desde a grande depressão de 1929 e, nesta segunda etapa, estamos tendo que usar armas diferentes e mais duras daquelas que usamos no primeiro momento. Há ainda a coincidência de estarmos enfrentando a maior seca da história, no Sudeste e no Nordeste."
- Dilma Roussef, em 2014
Desde 2013, o Brasil vem sofrendo com a falta de chuvas, principalmente no Sudeste e Centro-Oeste do país (submercado). Casos como o de 2016, foram esporádicos, assim como ocorrido em Fevereiro de 2020. Ou seja, será que não fomos “avisados” de que o risco de novas secas não poderia ocorrer, assim como a própria frase acima destaca sobre a “maior seca da história” em 2014?
Obviamente, prever o futuro é impossível, mas tenho certeza que uma modelagem de risco mais aderente, que garantisse a segurança energética (inclusive “precificando a escassez da água”) ou o endereçamento dos devidos problemas/planejamento poderiam ter mitigado os prejuízos do pior período úmido da história. Lembro que, uma modelagem é uma simplificação da realidade, mas não devemos eximir a culpa por erros muito grandes, ainda mais quando sequencialmente sinalizados. Abaixo mostro uma sinalização clara de que o modelo de preços (hoje aplicado) vem sendo ineficiente em operar o despacho hidrotérmico, mas nunca foi tratado de maneira a corrigir os problemas (até hoje). Os encargos, como mostra o gráfico abaixo, seriam o real custo do sistema vs o PLD (preço referência de despacho de térmicas). Como a “matemágica” permite custos sem receita, mas a matemática não, os consumidores arcam com esta diferença (talvez arcariam de qualquer maneira, porque alguém sempre paga a conta).
Fonte: CPAMP, ONS e CCEE
No ano anterior, tivemos um caso muito especial. O modelo de preço, para os que não sabem, é baseado em premissas de previsão de variáveis como precipitação e demanda de energia. Por conta da pandemia, em Maio do ano anterior, o ONS (com auxílio de muitos outros órgãos), reduziu significativamente a previsão de demanda para os próximos 5 anos. Errado ou não (naquele momento), o peso para o modelo de precificação foi brutal, fazendo com que o preço despencasse (ou seja, menor despacho de térmicas). Posteriormente ainda, parte desta previsão de carga se mostrou errada.
Tal fato, diminuindo significativamente o despacho térmico, “queimou” os reservatórios, nos levando à níveis abaixo dos registrados em 2019. Ao mesmo tempo, vimos o CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) preocupado com a situação hídrica ao longo de todo 2020, sinalização de que o preço baixo não condizia com a realidade. A geração fora da ordem de mérito (GFOM), atuando sem parar, despachando térmicas que nem deveriam estar ligadas pelo modelo, precisaram funcionar para não prejudicar ainda mais o sistema. Ou seja, será que realmente foi só azar do período úmido ruim deste ano ou se tivéssemos “guardado” um pouco de água, seria melhor? Alguns podem argumentar que o certo é seguir o modelo e pronto, mas será que não tivemos devidos sinais que o modelo não funcionava (antes de 2020) de forma a garantir a segurança energética? Já escutei de muitos que o ONS se tornou um torcedor de chuva, o que não me parece mentira. Passamos vários anos dizendo que “vai dar merda” e “deu”.
Adiciono ainda, que a bandeira tarifária foi mantida verde (de forma subsidiada) pelo governo no final de 2020. Mesmo em Outubro, Novembro e Dezembro, quando os preços estavam altos, o governo sinalizava que a situação estava controlada, afinal a elasticidade preço-demanda da energia é negativa. Já é mais do que claro, que controle de preços não funciona, porque a conta sempre chega no futuro.
Tupiniquim way of management e a crise hídrica
É nítido onde quero chegar com toda esta parafernália econômica (e filosófica) e descrição deste histórico recente da crise hídrica. Toda a falta de planejamento nos traz consequências péssimas hoje, quando falamos inclusive em racionamento. Para um país com crescimento em “V” (por mais que seja apenas um rebote estatístico - 100 para 90 e 90 para 100 não é a mesma coisa percentualmente) ter falta de energia é gravíssimo. Ou seja, o pensamento de curto prazo nos trouxe uma consequência ingrata.
Vemos hoje a segunda parte da história, a tentativa (ou não) de solução. A MP 1031, para ser aprovada no Senado, que na teoria deveria tratar apenas da privatização da Eletrobras, traz o planejamento do setor no meio dela (os famosos Jabutis). Com pouca argumentação técnica, apresenta uma obrigatoriedade de contratação de determinadas usinas, descartando o mérito econômico-financeiro, criando uma reserva de mercado (ou seja, “vai dar merda”). O senador Marcos Rogério inclusive aponta que a contratação das térmicas a gás (reserva de mercado) é importante para reduzirmos a dependência do sistema hídrico, se aproveitando da crise atual. Ou seja, justifica o “jabuti” de amanhã, pelo problema de hoje. Prometendo redução de tarifa, assim como na MP 579 (que depois se mostrou um desastre), o governo faz um planejamento no mínimo questionável e decidido às pressas (ou seja, “vai dar merda”). Ainda me parece que, o Capitalismo de Laços, nome e conceito do livro do Sérgio Lazzarini (meu ex-professor), ataca novamente. Interesses pouco saudáveis para o país, privilegiando alguns (não sei porquê), são escolhidos arbitrariamente.
Além disso, no que tange o modelo de precificação, vemos hoje o CMSE desesperado para implantar restrições de geração hidrelétrica, orientando inclusive uma mudança drástica nos parâmetros de risco da modelagem para salvar reservatório. O potencial é de trazer os preços do mercado livre à valores de até 3 vezes mais do que os praticados. É errado fazer isso? Talvez não, porque se deixarmos da maneira que está, todo o reservatório será “queimado”. Apesar disso, decisões tomadas às pressas, podem trazer efeitos ingratos no futuro e de difícil mensuração hoje.
Poderia citar outros inúmeros casos que ilustram a situação, mas em linhas gerais, busquei neste texto novamente introduzir alguns conceitos de economia sobre o pensamento de curto prazo e até mesmo o egoísmo no setor elétrico. O famoso “correr atrás do rabo” nunca se mostrou tão presente. Podemos planejar tudo? Claro que não. Decisões melhores são tomadas de cabeça fria e não de cabeça quente, mas insistimos em optar pelo segundo, sem levar em consideração o risco futuro. Hoje estamos sufocados, com poucas opções e torcendo novamente pela chuva.
“Planejar é definir o necessário. E realizá-lo sem que o imediato o sufoque.”
- Gandin, Danilo
[1] Será que o brasileiro está poupando o suficiente para se aposentar? - https://www.redalyc.org/pdf/3058/305842561001.pdf
[2] Quem poupa no Brasil? - https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2018/09/CPP-quem-poupa-brasil.pdf
[3] A contribution to the empirics of economic growth - https://eml.berkeley.edu/~dromer/papers/MRW_QJE1992.pdf
[4] Livro Ayn Rand - http://marsexxx.com/ycnex/Ayn_Rand-The_Virtue_of_Selfishness.pdf
[5] https://www.idis.org.br/wp-content/uploads/2019/10/WGI_2019_REPORT_2712A_WEB_101019.pdf
[6] https://noticias.r7.com/brasil/dilma-culpa-crise-externa-e-falta-de-chuva-por-situacao-no-pais-diz-que-ajuste-dura-o-tempo-que-for-preciso-e-pede-uniao-08032015