Durante o ENASE (Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico) deste ano, entidades do setor destacaram que passamos por diversas (re)evoluções ao longo de nossa história. Da construção de hidrelétrica imponentes, à criação e desenvolvimento do Mercado Livre, à chamada geração distribuída, passando pelo aumento exponencial das gerações eólica e solar. E hoje, vivemos mais um capítulo nesta história, a abertura do Mercado Livre para toda alta tensão. Mas claro, toda evolução tem seus obstáculos, prós e contras.
A primeira hidrelétrica do Brasil surgiu em 1889 em Juiz de Fora, Minas Gerais. Ali estava marcada uma das primeiras revoluções energéticas do Brasil, o uso da água como fonte de geração de energia elétrica. Das grandes hidrelétricas hoje conhecidas por nós, a primeira delas data de 1973, sendo ela a UHE Ilha Solteira. Em seguida, podemos destacar Itaipu e Tucuruí, dentre as maiores usinas hidrelétricas do mundo em potência. Hoje, vivemos uma outra realidade, na qual é proibida a construção de novas hidrelétricas de grande porte, pelos efeitos socioambientais causados em sua operação e construção.
Maiores usinas hidrelétricas em potência instalada ao redor do mundo
Fonte: História das Usinas Hidrelétricas
O Brasil nunca deixou de ser um revolucionador no quesito geração. Sendo um dos maiores do mundo em energias renováveis, atende hoje praticamente 100% de sua carga (exceto pelas inflexibilidades) com energia proveniente da água, vento e sol. Por mais que pareça bonito dizer isso, também apresenta uma enorme dependência de fatores climáticos. E se não tivermos mais ventos? Alguém pode responder que sempre vai ventar, mas tenho certeza que também disseram que sempre iria chover, e mesmo assim, passamos por diversas crises hídricas. Digo isto, pois por mais que pareça bonito defendermos as renováveis e a Greta não gostará, dificilmente viveremos sem uma térmica a óleo (ou gás) de back-up para as intempéries do clima.
Este foi também um marco do setor. A partir de 2019, a expansão da geração descentralizada começou a ganhar relevância no país (1GW atingidos neste ano). Diversas pessoas aproveitaram de seu benefício em suas próprias casas e empresas (redes de farmácias por exemplo) utilizaram do artifício de arrendarem fazendas solares para aproveitar os subsídios. O problema disto, é que onera a tarifa de todo o restante do mercado, ao termos cada vez mais investimentos em GD. Alguns ainda argumentam que por mais que exista um benefício de rede, ele já não é tão sentido, dado que o parque de geração se encontra na mesma área de concessão, mas não no mesmo local de consumo. [1]
De qualquer forma, a GD atingiu níveis altíssimos nestes últimos dois anos, contribuindo para o deplecionamento dos reservatórios no ano de 2022. Lembro que, sua geração pico se dá ao redor do meio-dia, auxiliando em um período de alta demanda em momentos de calor. Hoje, a conta já não está mais tão fácil. Com as mudanças da legislação, a alta de juros e a opção do livre varejista que não envolve investimento alto, a viabilidade econômica reduziu significativamente.
Capacidade Instalada de Micro/Mini Geração Distribuída
Fonte: EPE
Mesmo que em 1995 o presidente Fernando Henrique Cardoso tenha sancionado a lei para abertura do Mercado Livre, o mercado como “praticamente” conhecemos hoje, com liquidação financeira, PLD, entre outros, surgiu em meados de 2002/2004. De lá para cá mais de 30% de toda a carga do país se tornou livre, ou seja, deixou de comprar sua energia elétrica exclusivamente da distribuidora. Uma maior competitividade, trouxe aos consumidores preços mais baratos para a energia, impulsionando a migração de indústrias para o Ambiente de Contratação Livre. [2]
Todo mercado leva um tempo para sua maturação, e na energia não foi diferente. O grande boom de migrações veio em 2016, reflexo de preços mais baixos (bom regime de chuvas na época), aumento do número de comercializadoras (e produtos) e maior disseminação da informação. Há 5 anos atrás provável que você nem soubesse que existia um mercado de energia, mas hoje até grandes bancos possuem responsáveis na área.
Em relação ao mundo, estamos um pouco atrasados no conceito de energia livre, mas estamos caminhando. A partir de 2024, todos os consumidores de alta tensão poderão ser livres e entre 2026 e 2028 (projeto ainda em tramitação no legislativo) toda a baixa tensão aproveitará os benefícios deste mercado. E como funcionará? Acreditamos que será bem semelhante à um plano de internet ou de telefone, e cada um contratará o que mais lhe agrada. Fico de férias fora de casa duas vezes ao ano? Então o contrato terá isto previsto.
O problema desta migração em massa? Existem vários, mas gostaria de citar dois. Em primeiro lugar, o atual modelo de precificação da energia elétrica, que se mostra muito volátil em períodos de baixo reservatório. Ou seja, o consumidor poderia pagar em um determinado ano três vezes mais do que o pago no ano anterior. O segundo, é destacar que a distribuidoras estarão cada vez mais sobrecontratadas no mercado cativo, ou seja, alguém terá que pagar a conta desta sobra. Hoje, existe um rateio entre todos os consumidores do cativo, assim como ocorre para pagar a conta da Geração Distribuída, e para o “gato de luz”, mas isto pode ficar insustentável em algum momento. De qualquer forma, o mercado livre é uma solução adotada em boa parte dos países desenvolvidos, e apenas necessita ser bem estruturado.
