A dinâmica de preços no mercado internacional de gás de natural nos últimos dias foi amplamente impactada pela invasão da Rússia ao território ucraniano. Com o movimento militar na quinta-feira (24), os preços de petróleo e gás natural se elevaram de forma generalizada, em especial no continente europeu.
Em escala global, a Rússia é uma imponente produtora e exportadora de hidrocarbonetos, detendo a maior reserva de gás natural do planeta e suprindo boa parte do consumo europeu. Com isso, a perspectiva de uma possível interrupção no fornecimento de gás para a Europa e uma redução da oferta de petróleo no mercado internacional fez com que os preços das commodities disparassem, com o Brent registrando patamares superiores a US$ 102/bbl pela primeira vez desde 2014 [1]. Além disso, diante do movimento do mercado em direção a ativos mais seguros, o dólar também passou a apresentar desempenho positivo.
Como alternativa, a demanda europeia por gás natural liquefeito (GNL) vindo dos Estados Unidos aumenta. Consequentemente, os preços ficam pressionados no mercado norte-americano, ainda que em menor escala, assim como no mercado asiático, que disputa as cargas de GNL com a Europa. Além disso, ainda no hemisfério norte, a projeção de temperaturas mais baixas que o usual para as próximas semanas deve continuar fornecendo suporte para os preços.
Com a crise no leste europeu, a questão do suprimento de gás para o continente é, no momento, a principal pauta em debate. Apresentadas na Figura 1, quatro rotas de gasodutos de exportação da estatal russa Gazprom, considerada a maior empresa de gás natural do mundo, têm traçado pelo território ucraniano. Além disso, outras relevantes rotas como Yamal Europe e Nord Stream 1 fornecem cerca de 55% do gás natural consumido somente pela Alemanha [1].
Figura 1. Mapa de gasodutos russos de exportação [2]
Recentemente, a autorização regulatória para a operação do Nord Stream 2 foi suspensa pelo governo alemão em sinalização às movimentações russas na região de Donbass [3]. Em linha, Joe Biden anunciou que a empresa responsável pela construção do gasoduto, ligada à Gazprom, será sancionada [4].
O gasoduto Nord Stream 2, que conecta a Rússia à Alemanha, teria como objetivo ampliar a capacidade de fornecimento de gás para o continente europeu. Entretanto, o Estados Unidos já se mostrava contrário ao projeto, uma vez que acreditam que a estrutura poderia ser utilizada como desvio ao fluxo que atualmente passa pelo território ucraniano pelos gasodutos Brotherhood, Progress e Soyuz. Atualmente, a Rússia fornece cerca de 40% do gás natural consumido em toda União Europeia [5].
Com a segurança energética iminentemente ameaçada pelo conflito, a União Europeia tem intensificado estratégias de negociações por suprimento de gás natural através de vias alternativas, como a produção doméstica norueguesa no Mar do Norte e, principalmente, o mercado global de GNL a partir das exportações relevantes de países como Estados Unidos, Catar e Austrália.
Com relação ao mercado brasileiro, o conflito deflagrado pode ter influência direta nos preços de combustíveis derivados do petróleo, gás natural e energia elétrica. No caso específico do gás, com os recentes anúncios internacionais, é possível que as futuras cargas americanas sejam desviadas para o suprimento europeu, o que pode ocasionar alteração na oferta para o mercado brasileiro.
Em 2021, o GNL importado representou uma média de 25% na oferta do mercado de gás e de todo volume vindo do exterior, aproximadamente 93% tiveram como origem os terminais de liquefação dos Estados Unidos, como apresentado na Figura 2.
Figura 2. Origem da importação brasileira de GNL em 2021 [6]
Assim, a operação de algumas usinas termelétricas a gás natural no Brasil pode ser impactada por conta do conflito no leste europeu. No momento, a capacidade instalada para a geração de energia elétrica conta com cerca de 14,1 GW [7] provenientes da geração termelétrica a gás natural, sendo que a maior parte possui custo variável unitário inferior (CVU) a R$ 400/MWh [8].
Como é possível observar na Figura 3, por exemplo, a usina de Santa Cruz Nova, cujo combustível utilizado é o GNL, teve constantes reajustes na declaração de seu CVU que acompanharam o preço FOB do GNL, sendo que a correlação linear entre eles nesse horizonte resultou em um R2 = 0,878.
Figura 3. Preço FOB GNL x CVU Usinas [6][8]
O estudo considera o preço FOB no caso das usinas GNL porque o gás consumido provém de importação, enquanto no caso do gás natural, grande parte do consumo provém da oferta interna no país.
No caso de usinas a gás natural, como exemplificado na Figura 4 com base na usina Termorio, também é verificado o reajuste do CVU conforme o seu preço aumenta. No entanto, os reajustes são menos frequentes e mais expressivos pontualmente, sendo que a correlação linear entre o comportamento das variáveis nesse horizonte é de R2 = 0,80.
Logo, o reajuste nos preços internacionais do gás natural pode levar ao aumento do custo de um montante significativo de energia do Sistema Interligado Nacional, o que, por sua vez, refletirá no preço da energia elétrica já que o custo da maior termelétrica despachada na operação do setor é o que define a maior parte do preço da energia.